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8 de Março – Dia Internacional da Mulher: que papel é esse?

Postado em 08 de março de 2017


A palavra "mulher" nunca gerou tantos questionamentos como nos últimos anos. Qual o papel dela na sociedade, qual a importância do feminismo, da luta por direitos, do fim do machismo e do feminicídio? A mulher de décadas atrás era mãe, esposa e dona de casa. Hoje, assume o justo e merecido papel de profissional reconhecida, além de continuar atribuindo os valores familiares de antigamente. 

Conversamos com a psicóloga Cecília Marques* sobre esses papeis e como eles estão em constante evolução. Confira o bate papo:

Blog Vida em Equilíbrio: Qual é o papel atual da mulher na sociedade?

Cecília Marques: O papel da mulher na sociedade depende muito do contexto social e da cultura em que ela está inserida. Um ponto em comum entre qualquer modelo civilizatório e em todos os tempos da história da humanidade é que nós mulheres somos as geradoras da vida. O cuidado dos filhos sempre foi compartilhado por outras atividades laborais, mas até o surgimento da sociedade industrial, estas tarefas eram mais restritas ao espaço doméstico. A partir daí a mulher assumiu uma posição como operária nas fábricas e indústrias, a Revolução Industrial trouxe uma nova realidade econômica e modificou o papel da mulher. 

Sendo assim, o papel que nos é projetado tem uma relação forte com as condições econômicas: o acesso à geração de renda garante mais possibilidade de decisão da mulher sobre o papel que almeja desempenhar.

Um exemplo disso são as comunidades que vivem em situação de pobreza, em que uma das consequências da falta de acesso à saúde, educação e lazer é o alto índice de gravidez na adolescência.

Na atualidade, observamos um mundo em que, apesar do capitalismo global, coexistem diversos modelos de vida em sociedade e assim, observamos mulheres ocupando cada vez mais papéis de poder, tanto na política como no mercado de trabalho. 

No que se refere à vida sexual, observamos que nós mulheres podemos cada vez mais decidir sobre nossos próprios corpos, qual ou quais serão nossos parceiros ou parceiras sexuais, se teremos ou não filhos. Assim como coexiste com essa liberação crescente, mulheres que vestem burca, meninas sendo casadas precocemente por acordo de seus familiares, mulheres sendo traficadas para o comércio sexual, entre outras situações muito primitivas. 

O que quero destacar neste contraponto é a possibilidade de decidir ou não sobre o próprio corpo, em alguns locais já temos condições sócio culturais da mulher viver a partir de seu desejo e, em outros, a mulher ainda é objeto do desejo de outro. E estas diferenças não são encontradas entre pontos distante como ocidente ou oriente, pelo contrário, são modelos que coexistem em uma mesma cidade.

Observo que na atualidade para a maioria das mulheres que tiveram acesso aos estudos, o seu papel é primeiramente ter uma profissão e, se tiver boas condições de vida, ter seus filhos.

Há ainda um terceiro ponto, que se refere à estética feminina, então se observarmos as revistas femininas e outras mídias voltadas às mulheres, percebemos que ainda recai sobre nós a ideia de que temos o papel de estar belas. 

BVE: E esses papeis ainda estão em transformação?

CM: Sim. Há ainda muitos ajustes necessários no modelo de trabalho. Primeiro acessamos espaços para além do habitat doméstico, instituições criadas na lógica masculina. Assim conquistamos o acesso à renda, com isso temos aumentado nosso poder de decidir e influenciar decisões. 

Agora buscamos formas de equilibrar essa inserção, tornando os espaços institucionais mais viáveis para a qualidade de vida feminina, para a conciliação com ser mãe e com o cuidado de si.

O que é bom também para os homens, o movimento de humanização do parto e nascimento, por exemplo, defende que o homem também precisa de mais tempo para os filhos, precisa de uma licença paternidade maior. Então vejo que temos um papel transformador da sociedade.

Não podemos deixar de considerar que há ainda muita resistência às conquistas alcançadas até aqui, o que se expressa nos altos índices de violência contra a mulher. 

O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos países com maior número de crimes praticados contra mulheres, é o que revela o "Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil".  Em 2014, a cada dia, 405 mulheres precisaram de tratamento médico em decorrência de agressão sofrida.

A residência é o local onde as mulheres estão mais vulneráveis. Cerca de 71% dos casos de violência ocorre dentro de casa. Na maioria das vezes, o agressor é alguém que a vítima conhece: um familiar, um vizinho ou amigo. Precisamos seguir avançando na proteção à mulher. Conforme formos vencendo esses desequilíbrios, muitas transformações ainda vão surgir.

BVE: Os movimentos em prol dos direitos das mulheres têm causado impacto positivo?

CM: Na minha visão, o impacto tem sido positivo. Perante tantas desigualdades nas condições de vida entre mulheres, os movimentos feministas promovem a união, e com as redes sociais isso tem se ampliado ainda mais. Assim, mulheres com menos acesso ao conhecimento sobre seus direitos podem encontrar ajuda entre aquelas que estão mais ativas na luta pela garantia de direitos. Também é possível encontrar apoio emocional entre pares que passam por problemas semelhantes e assim vamos nos fortalecendo cada vez.

O acesso à informação e a união protege a mulher das mais variadas formas de violência, as quais ainda somos suscetíveis.

O movimento que mais tenho acompanhado é o da humanização do parto e nascimento, que tem cada vez mais protegido as mulheres da violência obstétrica, problema com alta incidência no Brasil. A troca entre mulheres favorece que saibam onde estão as instituições e profissionais que oferecem risco e isto vai articulando uma rede de proteção. 

BVE: Essa imagem em transição pode afetar a autoestima e segurança das mulheres?

CM: O que vemos é que para muitas mulheres aumentaram as possibilidades de escolha sobre qual é a vida que irão ter, por outro lado, quando ficamos sem espaço para reflexão e autoconhecimento pode ocorrer uma sobrecarga, caso se caia na cilada de querer assumir todos os papeis ao mesmo tempo: belas, mães, profissionais, intelectuais, realizadas sexualmente, etc. 

Um alerta importante é que estudos apontam que a prevalência de depressão é duas vezes maior entre as mulheres em relação aos homens. Este momento histórico de transição nos modelos culturais e com desigualdade nas condições de vida nos convida a buscar um equilíbrio, a superar a condição de refém do desejo do outro (empregadores, maridos, filhos) para poder viver nossos próprios desejos.

Mas para poder viver nosso desejo precisamos descobrir o que desejamos. As mulheres buscam mais cuidados em saúde, assim como formação em saúde, se entrarmos em salas de aula de profissões da saúde como psicologia, fisioterapia, enfermagem, fonoaudiologia, vamos encontrar poucos alunos homens. Queremos nos conhecer, queremos poder escolher.

Uma novidade interessante também é que estão crescendo os grupos de ajuda mútua entre mulheres. Esses espaços de cuidado grupais, presenciais ou virtuais, fortalecem muito as mulheres para seguirem no mundo a partir de suas próprias escolhas.

Encontramos muitos grupos voltados às mulheres nos serviços de saúde pública, assim como tem surgido cada vez mais grupos de estudo sobre o sagrado feminino, onde as mulheres aprendem e refletem sobre seu ciclo menstrual, sua ancestralidade, observando as mudanças entre as últimas gerações, olhando e falando sobre os traumas trazidos pela dominação exercida pelo patriarcado e rememorando técnicas antigas e muitas vezes escondidas de cura entre mulheres, como o uso de plantas, aromas, rezas e benzeduras. 

*Cecília de Castro e Marques é Mestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS e Especialista em Psicologia Clínica pela Clínica de Atendimento psicológico da UFRGS. Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e tem experiência na área de Psicologia Clínica, Psicologia Social, Pesquisa Avaliativa Participativa e em Saúde Coletiva.

  • Categoria: Saúde da mulher
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