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A vida é valiosa! 10 de setembro – Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio

Postado em 08 de setembro de 2016


A campanha mundial do Setembro Amarelo chama a atenção da população para um problema que há décadas é varrido para baixo do tapete: o suicídio. Cercado de mitos e tabus, o ato é tratado até hoje com certo distanciamento e preconceito. O risco de contágio é levado mais a sério do que a necessidade de conscientização e programas de prevenção.

A cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida. São mais de 800 mil suicídios por ano no mundo. No Brasil, o número chega a mil mortes ao mês. Isso equivale à queda de três boeings lotados. "O primeiro passo para mudar essa situação é assimilar o problema e querer enxergá-lo. O grande mal do suicídio é que as pessoas não querem ver, elas negam a situação", afirma o psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Hospital Mãe de Deus.

Confira a entrevista completa com o Doutor Nogueira:

Qual o principal fator de risco para o suicídio?
A maior doença que leva ao suicídio é a depressão, depois é o uso e abuso do álcool e drogas, que geralmente andam conjuntamente. Além disso, temos grande incidência de suicídio pelos transtornos de personalidade, como personalidade narcisista, o borderline, e também os transtornos de ansiedade e a esquizofrenia. A esquizofrenia é uma doença que atinge 1% da população. Desses, 10% se suicidam.
Nos principais fatores de risco estão tentativas anteriores, ou ter ocorrido caso na família da pessoa, pai, mãe, irmão, tio, primos, avô. Em uma família onde já ocorreu caso de suicídio o risco é maior.
Muitos autores mostram, inclusive, a associação entre o suicídio e a perda de capacidade econômica, perda de condições financeiras, pessoas que ascenderam social e economicamente e de uma hora pra outra perderam tudo.

Como identificar comportamentos suicidas?
A pessoa começa a mostrar características que não são comuns a ela no dia a dia. Uma pessoa dinâmica, que todo dia se levanta, toma o seu banho e se arruma, vai para o trabalho, e lá desempenha suas funções efetivamente. De uma hora pra essa pessoa já não tem mais ânimo, não tem força, não consegue levantar da cama, ou levanta-se e não toma banho, não se arruma. A partir daí você começa a notar que a pessoa está com atitudes e condutas que não são habituais.
A criança que não quer ir pra escola, que só fica no seu quarto, que não se alimenta, ou que se alimenta excessivamente, que não dorme ou dorme demais. Não presta atenção na aula, dorme, não vai bem nas provas e trabalhos.
Mudanças de atitude e condutas em geral, e isso sempre ocorre quando há um conflito. Por exemplo, o mais comum de todos: relações afetivas conflitadas, principalmente em casos de separação. Infelizmente é muito comum, o indivíduo passa por uma separação, tenta reatar sem sucesso, e num ato de desespero mata a mulher, mata, às vezes, os próprios filhos, e comete suicídio.
O suicídio é uma situação de desespero, de um sofrimento insuportável, onde num primeiro momento a pessoa tolera a dor, e quando ela chega a um nível intolerável, ou ela esquizofreniza, ou se mata.

Como é possível prevenir o suicídio?
O primeiro passo é assimilar o problema e querer enxergá-lo. O grande problema do suicídio é que as pessoas não querem ver, elas negam a situação.
Fala-se muito em mortes por doenças como H1N1 e Zika Vírus. Até julho tivemos 190 mortes por essas patologias. No entanto, temos mais de 1000 mortes ao ano no Rio Grande do Sul por suicídio, há décadas, e nada é feito, nada é falado. Existe um verdadeiro silêncio, que eu digo que é um silêncio ensurdecedor.
Somente no período de 2008 a 2010 foi realizado um programa de prevenção ao suicídio no Estado. Com este programa, criado pela Organização Mundial da Saúde e validado para aplicação no Brasil pela Unicamp, foram reduzidos os números do problema em 12%. Porto Alegre tinha 120 suicídios por ano, hoje tem 95. Caxias do Sul tinha 60, hoje tem 30. Todos os lugares do mundo onde se aplicou esse programa apresentaram redução na incidência de suicídio.
A maneira mais acertada de prevenir é detectar onde estão estes suicidas, quais são as famílias, aquelas onde ocorreram casos de suicídio, pegar esses dados e trabalhar com eles. Mas para isso é preciso falar sobre o assunto, mobilizar as pessoas, criar grupos para que as pessoas falem sobre isso.

Quais as decorrências desse ato nas famílias, e entre os amigos?
Muitas vezes, passado um ano do fato, uma pessoa da mesma família, do mesmo grupo de amigos, da mesma equipe de trabalho da pessoa que se matou também comete suicídio. É muito comum. Para lidar com isso, criam-se grupos de sobreviventes, com pacientes que tentaram suicídio e também com familiares, amigos e colegas.

Quais os números do suicídio no Brasil e no mundo?
Temos hoje, no mundo, 800 mil suicídios por ano. Isso significa que a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida. No Brasil, até 2012, eram nove mil, hoje são quase 12 mil mortes ao ano, mil por mês. Isso equivale a três boeings lotados.
Entre os jovens, o número de suicídio é maior que o numero de jovens vítimas da AIDS no mundo. O número é maior, ainda, do que todas as mortes causadas pela guerra em todo o mundo.

E no Estado?
Infelizmente, o suicídio é uma tradição gaúcha. O Rio Grande do Sul, há décadas, é o estado com maior incidência de suicídio do Brasil. São mais de 1000 suicídios por ano, uma média de três por dia. Das 20 cidades com maior incidência de suicídio no Brasil, 11 são gaúchas. São elas: Três Passos, Três de Maio, Nova Prata, Santa Cruz, Tupanciretã, Santiago, Canguçu, Lajeado, Venâncio Aires, Encruzilhada e Osório.
Porto Alegre é a capital brasileira com maior incidência de suicídio, 11 para cada 100 mil, a média no Brasil é quatro. Até hoje o problema era mais frequente entre os idosos. O que acontece é que, atualmente, está havendo uma transição epidemiológica, onde a faixa etária está diminuindo, aumentando entre crianças, adolescentes e adultos jovens.
Uma pesquisa feita pelas psicólogas Blanca Werlang e Vivian Roxo Borges constatou que, em Porto Alegre, 36% dos jovens na faixa etária dos 15 aos 29 anos têm desesperança, e junto com Curitiba, são as duas capitais com mais incidência de suicídio entre jovens.
Segundo dados do Centro de Informações Toxicológicas, houve um aumento vertiginoso do número de suicídio dos 10 aos 14 anos, em 19%; e dos 15 aos 19, de 44%. Neste caso, através de intoxicações por medicamentos, inseticidas, venenos e materiais de limpeza.

A predominância dos casos acontece entre os homens ou mulheres? E em qual faixa etária?
O suicídio é um mal democrático. Ele atinge a todos, indiscriminadamente. Todas as classes sociais, todos os gêneros, todas as idades.
Até dois anos atrás, os homens se suicidavam três vezes mais que as mulheres, e as mulheres tentavam o suicídio três vezes mais que os homens. Atualmente, os homens se matam quatro vezes mais que as mulheres. As mulheres tentam o suicídio mais vezes que os homens, acontece que a tentativa do homem, na maioria das vezes, é fatal.
A maior causa de morte entre as meninas adolescentes de Porto Alegre é o suicídio. Entre os meninos é a terceira, perdendo para os homicídios e os acidentes de trânsito.
As pessoas acham que o suicídio é uma questão de ousadia e coragem. A verdade é que não passa de uma ação de desespero, para acabar com uma dor insuportável.

Dr. Ricardo Nogueira é psiquiatra e coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Hospital Mãe de Deus. Autor do livro "Prevenção do Suicídio – Implantação de uma rede intersetorial", obra organizada em parceria com a especialista Dra Kênia Rosário (disponível na amazon.com).

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