Constantemente em transformação, a infância é amplamente discutida, seja em meios acadêmicos ou em conversas entre pais. Cada um tem sua teoria e sua prática. A verdade é que a infância de hoje é completamente diferente da de 10 ou 20 anos atrás. As horas na rua, desenhando no chão, brincando de pega-pega, esconde-esconde ou andando de bicicleta, foram quase completamente substituídas pela segurança dos jogos eletrônicos dentro de casa. Apesar disso, investe-se mais em educação, aprendizado e lazer direcionado.
Mas, em meio a tantas filosofias e referenciais, como saber qual a melhor rotina para cada criança? Para Martha Collares, psiquiatra e terapeuta familiar, não existe rotina ideal. "É importante individualizar, pois cada criança tem um ritmo e isso varia com a idade. O saudável é que se tenha hora para comer, hora pra brincar, hora pra descansar e que isso se repita dia após dia". Segundo a Drª Martha, essa repetição acaba trazendo uma segurança emocional para as crianças, facilitando seu desenvolvimento.
Conciliar o lazer despreocupado, as horas livres e os compromissos é importante para o crescimento da criança. O lazer sem compromisso, o brincar de qualquer maneira que seja, é essencial para a formação da infância. "A criança compreende o mundo através da brincadeira e faz parte disso a observação, a experimentação. Para isso é necessário que ela tenha tempo livre inclusive para entediar-se, pois a partir do tédio é que vem a criatividade, e esta é fundamental para um desenvolvimento saudável", afirma Drª Martha.
As atividades extras, como natação, música, línguas, entre outras, também são benéficas e podem ser iniciadas precocemente, inclusive para os bebês. Entretanto, segundo a médica, é indispensável observar se a criança está preparada para aproveitar a atividade. "Pode ser que um bebê de um ano não esteja com maturidade para entrar em uma piscina, ficar com um professor diferente, e isso deve ser respeitado. Mas a natação pode ser oferecida novamente mais tarde e, então, com bom aproveitamento. Ou, pode ser ainda, que um menino não goste de natação, mas aproveite muito bem uma escolinha de futebol", exemplifica. "Os pais ou responsáveis devem observar e respeitar os interesses e habilidades de cada criança".
Além disso, é preciso atentar para que a criança não fique sobrecarregada com muitas atividades, pois a limite entre responsabilidade e estresse depende da quantidade e do tipo de compromisso. É na infância, por exemplo, que os pequenos vão aprendendo a lidar com alguns sentimentos como frustrações e derrotas, e é importante vivenciá-los no esporte e nas brincadeiras. Mas é necessário que seja aos poucos. "Passar muito tempo do dia sendo desafiada com múltiplas tarefas das quais não 'dá conta' pode deixar a criança estressada", afirma a terapeuta.
Birras, agressividade, dificuldade de concentração, e até mesmo sintomas somáticos como dores de cabeça e dores na barriga, podem ser sinais de estresse. Como filhos não vêm com manual de instruções, é preciso observar, afinal, é muito variável a maneira como cada criança vai expressar seus sentimentos. Por isso, equilíbrio é a palavra chave, seja na infância ou em qualquer momento da vida. Cuide-se!
*Martha Collares é Médica de Família e Comunidade, Psiquiatra e Terapeuta de Família e Casal, e Professora do Instituto da Família de Porto Alegre.